Jaime Ribeiro, CEO e cofundador da Educa
Jaime Ribeiro, CEO e cofundador da Educa

Quando educamos uma pessoa, o objetivo é formar um indivíduo capaz de interpretar o mundo à sua volta para tomar decisões e fazer escolhas diante dessa realidade. No entanto, de tempos em tempos convivemos com transformações tão profundas que a maneira como o processo educacional é construído precisa passar por uma revisitação. E esse movimento está acontecendo neste exato momento. Impulsionado pela celeridade no desenvolvimento e difusão da inteligência artificial, temos observado claros gestos de readequação em vários setores.

Na educação básica, por exemplo, temos visto um enorme temor principalmente pelo impacto da ferramenta na questão avaliativa dos alunos. Isso porque, o estágio atual da IA, popularizada sobretudo pelo ChatGPT, já permite que, em poucos comandos, o estudante tenha em suas mãos uma ferramenta capaz de resolver problemas ou exercícios escolares de forma imediata. 

No entanto, a verdade é que isso é o menor dos problemas pensando no processo de aprendizagem. Mesmo porque, condutas controversas voltadas à driblar os mecanismos de avaliação já existem desde que era uma criancinha. O que deve acontecer, assim como já ocorreu anteriormente, tal como na época da popularização do Google, é uma readaptação.

O grande cerne passa realmente pelo desenvolvimento de um novo método de estudos e pesquisas. Até porque, toda a forma de relacionamento do estudante com o conteúdo já está sendo totalmente transformada perante o avanço da IA. Atraídos pela facilidade e o alto nível de assertividade das respostas disponibilizadas pela tecnologia, os alunos tendem a deixar o seu crivo crítico de lado para utilizá-las praticamente de forma automática. Isso porque as narrativas construídas pelas ferramentas são expostas de tal forma que será, ou melhor, já está sendo difícil criar qualquer tipo de resistência. 

Já existe até mesmo uma definição teórica que dá nome ao fenômeno. Trata-se do “dadoísmo”. Mencionado pela primeira vez em 2013, pelo jornalista David Brooks, o conceito descreve como os insumos gerados pelas ferramentas tecnológicas geram padrões comportamentais na sociedade, e como ela acaba se utilizando dessas informações para guiar a sua vida, ainda que de forma involuntária.

Sendo assim, o grande desafio do momento na educação passa pela preparação dos alunos em relação à interpretação e análise de todas as narrativas expostas pelo ecossistema à sua volta. Quando digo isso, vale ressaltar, não falo somente relacionado a qualidade dos conteúdos, o que já é uma dificuldade e tanto, mas sobre a veracidade dos mesmos.

Afinal, não podemos esquecer que a IA apresenta uma capacidade de produção em massa de conteúdo, alavancando tanto a criação de concepções positivas, como também para a elaboração de conteúdos falsos - as chamadas deepfake. Além disso, vale reforçar que a atual capacidade técnica das IAs, especialmente o Chat GPT, ainda apresenta algumas ‘alucinações’, fenômeno em que ela não identifica uma resposta adequada para a solicitação do usuário e acaba entregando dados e informações aleatórias para solucionar a dúvida.

Nesse sentido, o combo entre a absorção praticamente sem qualquer crivo por parte dos alunos e os perigos existentes dentro dos conteúdos reproduzidos pelas plataformas, sobretudo na questão da genuinidade, traz uma ameaça pela formação de uma geração pouco autônoma em suas decisões. Sem uma regulamentação sobre o conteúdo reproduzido, ou uma discussão maior sobre o uso das IAs na formação educacional, corremos o risco de impulsionar a narrativa gerada artificialmente como uma verdade absoluta a ser seguida.

Por outro lado, há de se ressaltar também o potencial benéfico, se bem utilizada, que acompanha a tecnologia, sobretudo na própria educação. Um exemplo prático é a construção de narrativas antagônicas entre si e a criação de discussões para que os estudantes possam exercitar o seu pensamento crítico perante diferentes pontos de vista.

Prós e contras a parte, o surgimento de uma nova ferramenta de tamanho potencial, como é o caso da IA, traz consigo uma possibilidade de alavancar ainda mais os métodos de ensino e de formação de toda uma geração. Nesse caso, é preciso que o ecossistema escolar deixe o saudosismo de lado e utilize tudo aquilo que já aprendemos, mesmo que por meio de metodologias mais arcaicas, para decidir qual o melhor caminho a ser seguido neste novo mundo. Até porque a educação segue e continuará sendo a base mais importante para uma sociedade emocionalmente saudável.

*Jaime Ribeiro é CEO e cofundador da Educa. Ele é considerado um dos principais empreendedores da área da educação no Brasil. autor de inúmeros livros que abordam as competências socioemocionais, liderou projetos comerciais, de marketing e transformação de negócios em grandes empresas como Pearson Brasil e Ambev.

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