Advogada especialista em direito da mulher explica o que avançou e o que ainda precisa ser melhorado.
Já está em vigor o programa “Mulher, Viver sem Violência”, política pública federal que tem como objetivo ampliar e melhorar os atendimentos dos serviços públicos voltados para as mulheres em situação de violência. O Decreto 11.431/2023 integra a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e será coordenado pelo Ministério das Mulheres. A previsão é de que sejam destinados R$ 372 milhões para a implementação de novos centros de atendimento humanizado e especializado no atendimento à mulher em situação de violência doméstica, e a doação de viaturas para a Patrulha Maria da Penha.
O programa, no entanto, não é uma novidade. As diretrizes previstas no novo decreto estão ativas desde 2013 e foram inicialmente desenvolvidas no governo da ex-presidente Dilma Roussef. A advogada Marilia Golfieri Angella, especialista em direito de família, gênero e infância e juventude e sócia-fundadora do Marília Golfieri Angella – Advocacia familiar e social, explica que a principal diferença entre os dois projetos é que o atual amplia a atuação dos Ministérios, em especial os vinculados ao trabalho e à assistência social. Já as diretrizes dos órgãos no combate à violência continuam as mesmas previstas há 10 anos.
“Nestes 10 anos, por mais que possamos verificar um avanço positivo no combate e no enfrentamento da violência contra a mulher, inclusive com a promulgação da Lei 13.104/2015, que torna o feminicídio um homicídio qualificado e o coloca no rol de crimes hediondos, com penas mais altas, a ineficiência do Estado na investigação e punição dos agressores ainda é uma árdua realidade”, afirma a advogada.
Segundo Marilia, a dificuldade começa pela falta de capacitação dos funcionários atuantes na linha de frente, com informações falsas, falas misóginas e preconceituosas, que podem descredibilizar a mulher e afugentá-la na hora da denúncia. “Mesmo que haja expressa menção nos decretos de 2013 e de 2023 a respeito da necessidade de capacitação, qualificação e humanização do atendimento, essa não é uma constante em todos os estabelecimentos voltados ao combate da violência doméstica”, explica a advogada que diariamente trabalha com mulheres que estão nessa situação.
Além disso, de acordo com Marilia Golfieri Angella, existe a demora na tramitação dos inquéritos policiais que investigam violência doméstica, que levam anos para terem andamento por parte das delegacias, ainda que especializadas. “Quem sofre violência doméstica, precisa de urgência na resposta. Quem comete violência doméstica, igualmente. Se não andarmos a passos largos na melhoria da eficiência e celeridade, continuaremos enxugando gelo nas ações de prevenção e informação a respeito do tema, pois mulheres continuarão com medo de denunciar e os agressores continuarão validados a agir da forma como agem”, completa.
Ocorre que na maior parte dos casos, o agressor continua vivendo sua vida normalmente, mantendo seu emprego, vivendo na mesma casa, frequentando os mesmos lugares, enquanto a mulher precisa se afastar de seu território, lutar para recuperar sua autoestima e sua saúde mental, estabilizar‑se economicamente junto aos filhos na nova dinâmica familiar, reestabelecer-se fisicamente, entre outras tantas batalhas vivenciadas em decorrência das assimetrias de gênero. "A sensação de impunidade e injustiça pairam sob os casos de violência doméstica na prática, o que afeta até mesmo os profissionais que atuam na causa em razão do sentimento de frustração e impotência” alerta a especialista.
“A melhora da legislação ajuda, mas ela precisa ser acompanhada de uma mudança sistêmica no funcionamento dos órgãos, em especial garantindo eficiência e celeridade nos procedimentos, que garantam o que está escrito, que garantam o cumprimento da lei já vigente”, finaliza.
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