Elton Alisson | Agência FAPESP – O Brasil apresenta algumas vantagens comparativas no combate às mudanças climáticas em relação a outros países, entre elas uma matriz energética diversificada, com participação expressiva de fontes de energia renováveis. É preciso, porém, tornar essas vantagens competitivas, equacionando os aspectos econômicos, sociais e de redução das emissões de carbono.
A avaliação foi feita por pesquisadores participantes de um evento on-line promovido na segunda-feira (20/03) pelo Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), em parceria com o Instituto ClimaInfo, com o objetivo de discutir o relatório-síntese do Sexto Ciclo de Avaliação (AR6) publicado esta semana pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e os desafios para o Brasil.
“Temos de encontrar meios para transformar as nossas vantagens comparativas em competitivas para permitir o progresso econômico do Brasil, com justiça social. Isso nos dará a oportunidade de, ao mesmo tempo, combater as mudanças climáticas e adotar um modelo de desenvolvimento menos desigual, com menos pobreza”, avaliou Ana Toni, secretária nacional de mudanças do clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
De acordo com o relatório-síntese do IPCC, a temperatura média global já está 1,1 °C mais alta em relação aos níveis pré-industriais. Isso tem resultado em eventos climáticos extremos mais frequentes e intensos, com incêndios florestais e inundações, que têm causado impactos perigosos sobre a natureza e as pessoas em todas as regiões do mundo.
Os esforços para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) não têm sido suficientes e é provável que o aumento da temperatura global atinja 1,5 °C até 2025, aponta o relatório.
“O documento destaca que, a cada incremento no aquecimento, os riscos, impactos e perdas e danos aumentam. E, quando esses riscos se combinam com outros eventos adversos, podem muitas vezes criar situações em cascata para setores e regiões e tornam-se cada vez mais difíceis de serem manejados”, disse Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB) e presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que foi uma das revisoras do novo relatório-síntese.
As opções disponíveis para adaptação às mudanças climáticas estão se tornando mais limitadas e menos eficazes a cada incremento no aquecimento. Algumas mudanças futuras são inevitáveis e outras possivelmente irreversíveis, mas podem ser diminuídas por meio de reduções profundas, rápidas e sustentadas das emissões de GEE em todos os setores nesta década, de modo a limitar o aquecimento da temperatura a 1,5 °C até 2030.
Para atingir esse objetivo será preciso diminuir as emissões de GEE quase pela metade até 2030 e atingir emissões líquidas de CO2 negativas no início da década de 2050, sublinha o relatório.
“O relatório aponta claramente que já temos todas as tecnologias necessárias para reduzir pela metade as emissões de GEE até 2030 e os recursos financeiros para realizar essa tarefa”, afirmou Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e membro da coordenação do PFPMCG.
“Segundo o relatório, os custos da energia solar e eólica, por exemplo, diminuíram 85% e 55%, respectivamente, e os das baterias de íon de lítio também caíram 85% [entre 2010 e 2019]. Portanto, é possível hoje desenvolver tecnologias que façam sentido do ponto de vista financeiro”, avaliou Artaxo.
Oportunidades e desafios
O Brasil tem uma grande janela de oportunidade para aumentar a participação dessas fontes de energia renovável em sua matriz energética, afirmou Moacyr Araújo, coordenador científico da Rede Brasileira sobre Mudanças Climáticas (Rede Clima).
No caso da energia solar, uma das regiões do país com maior potencial de expansão de geração é o semiárido nordestino, apontou Araújo.
“Só em Pernambuco, há 110 municípios com propriedades entre 4 e 5 hectares dos quais 1 hectare já está degradado. Se colocarmos esses municípios para produzir energia solar e o produtor passar a receber pelo excedente de energia gerada, será possível revolucionar o semiárido nordestino”, avaliou.
Já no caso da energia eólica, as regiões com maior predisposição para geração são a Norte e a Nordeste, onde está situada a zona de convergência intertropical, na qual os ventos que vêm da Europa convergem com os vindos do sul da África, com forte intensidade durante o ano todo. “Isso é o sonho de consumo de qualquer produtor de energia eólica”, disse Araújo.
De acordo com ele, o potencial de geração de energia eólica em novos projetos na região é da ordem de 133 gigawatts (GW).
“A geração brasileira total de energia hoje está entre 206 e 208 GW. Teríamos quase 70% de toda a energia gerada no Brasil por meio da implantação de geração de eólica offshore [em alto-mar] ao longo da costa brasileira, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, aproveitando a convergência de ventos”, disse Araújo.
Um dos desafios para implementar em larga escala essas e outras medidas de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas no Brasil e em outros países em desenvolvimento é melhorar o acesso a recursos financeiros adequados, aponta o relatório-síntese.
O aumento do financiamento climático é crucial para reforçar a resiliência climática, especialmente nos países em desenvolvimento onde as lacunas são maiores, ressaltam os autores.
“O relatório enfatiza que os governos, por meio de financiamento público e de sinais claros aos investidores, são fundamentais para reduzir essas barreiras, e que os bancos centrais e reguladores financeiros também podem desempenhar um papel importante nesse sentido”, disse Bustamante.
O evento pode ser assistido em: www.youtube.com/watch?v=7X83TQp7A3A.
O relatório-síntese do AR6 do IPCC pode ser acessado em: www.ipcc.ch/ar6-syr/.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
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