Gisele Lasserre, fundadora da TECH GIRLS

Iniciativa tem despertado a atenção de empresas e empreendedores sociais em busca de soluções para problemas sociais e ambientais

O descarte incorreto de pilhas, celulares, computadores, tablets, fios e outros eletroeletrônicos tem gerado cada vez mais lixo eletrônico no mundo. Uma pesquisa realizada pela Organização Mundial das Nações Unidas (ONU) constatou que, em cinco anos, o lixo eletrônico global aumentou 21%. O Brasil ocupa o quinto lugar no ranking dos maiores produtores mundiais desses resíduos: 2,1 mil toneladas de eletroeletrônicos são descartados anualmente e apenas 3% desse material é reciclado, representando uma grave ameaça à saúde e ao meio ambiente, pois contém substâncias tóxicas como chumbo, mercúrio e níquel.

Para mitigar os danos causados pelo lixo eletrônico e capacitar mulheres em situação de vulnerabilidade social na área de tecnologia da informação (TI), a desenvolvedora de software Gisele Lasserre criou o Tech Girls em 2017. O negócio social oferece aulas presenciais gratuitas de TI e tratamento do lixo eletrônico com o intuito de reduzir o déficit de profissionais mulheres em um mercado de trabalho permanentemente aquecido e majoritariamente formado por homens. O Tech Girls já impactou a vida de mais de 580 mulheres com escolas próprias em Curitiba (PR), São Paulo (SP), Taubaté (SP) e Florianópolis (SC). 

Em 2021, Gisele conquistou o 1º lugar do prêmio Empreendedora Curitiba 2021, oferecido pela Prefeitura de Curitiba, na categoria impacto socioambiental. Com o sucesso do negócio, que despertou o interesse de empresas e de pessoas comprometidas com a transformação social, Gisele desenvolveu um modelo de franquia social para aumentar sua expansão geográfica e atender a demanda crescente de outras localidades. 

Ela elaborou um modelo operacional, juntamente com princípios e práticas, para a franquia social, que representa uma excelente oportunidade de ampliação da rede e mantém o padrão de qualidade do negócio e o propósito de reuso do lixo eletrônico para aumentar a empregabilidade feminina na área de TI. O modelo é particularmente atraente para empresas, que têm sido cada vez mais pressionadas por acionistas e pelo público a desenvolverem soluções em ESG e buscar iniciativas bem-estruturadas e com evidências comprovadas de transformação social.

O conceito inovativo e lúdico da Tech Girls vem despertando muito interesse não apenas de entusiastas da causa empregabilidade em tecnologia social no Brasil, mas também de outros lugares do mundo, portanto, o formato de franquia social, encaixa muito bem para quem deseja replicar o modelo de sucesso Tech Girls, destaca a fundadora. 

Modelo de franquia ajuda a disseminar boas práticas de negócios sociais

De acordo com um estudo realizado pelo Grupo Bittencourt, a principal diferença entre franquia social e franquia comercial é que a primeira não visa ao lucro, mas à sustentabilidade e ao crescimento do negócio social. Os fundadores das franquias sociais são acionistas, não auferem lucros e todo o excedente é reinvestido no projeto. Por outro lado, a maior semelhança entre ambas é que o criador do negócio social – neste caso, o franqueador do modelo –  transfere seu conhecimento e oferece apoio aos parceiros, como acontece nas franquias comuns. Dessa maneira, o franqueador social consegue disseminar a iniciativa por meio de uma rede de parceiros de confiança e promover impactos positivos na sociedade.

A franquia social ainda não possui legislação própria e utiliza a lei de franquias 8.955/94 para atribuir direitos e deveres ao franqueador e ao franqueado, mas substitui o conceito de lucro por socialização de resultados. Com isso, a cobrança de royalties torna-se lícita, desde que os recursos obtidos sejam investidos na estrutura mantida pelo franqueador necessária à operacionalização, ampliação ou melhoria da atividade desenvolvida. 

As primeiras franquias do Tech Girls já estão em operação nas cidades de São José dos Pinhais (PR) e na cidade de Joinville (SC). A intenção de promover dignidade social para mulheres por meio do empreendedorismo foi o que atraiu Larissa Bornancin a abrir uma franquia em São José dos Pinhais. Ela atua na causa da violência feminina há 15 anos e fundou o Grupo Batom, que gera impacto social através do incentivo ao empreendedorismo feminino. Larissa ressalta a relação de causa e efeito entre os dois temas: “A violência doméstica decorre muitas vezes da combinação entre a dependência econômica do agressor e a baixa auto-estima. Por isso, capacitar profissionalmente as vítimas de violência é uma estratégia eficiente para interromper este ciclo de agressões e submissão”.

Conquista da CLT

Formada pelo Tech Girls em 2022, Dayane Lilian Mazur comemora a conquista da tão sonhada vaga CLT, depois de 8 anos trabalhando de forma autônoma no segmento de corretagem de imóveis. “Estava em crise profissional e infeliz na minha carreira há pelo menos dois anos, foi então que a ideia de conhecer a área de tecnologia por meio da metodologia do Tech Girls me chamou atenção. Concluí o curso gratuito que teve duração de três meses, fiquei encantada pelas oportunidades de carreira e hoje estou trabalhando na Rumo Logística na área de TI”, comenta a nova colaboradora que atua como field services  da concessionária de ferrovias.

Dayanne foi recrutada pela empresa após passar por um processo seletivo conduzido por Mariane Glir Pechebela, que é uma incentivadora da inclusão sócio-produtiva nos postos de trabalho na área de TI. “Compor nosso time de tecnologia da informação com diversidade de gênero e, especialmente, com histórias de vidas enriquecedoras favorece a solução de problemas de forma diferente e criativa. Somos entusiastas das iniciativas do Tech Girls e  estamos felizes em contratar profissionais que passaram pela metodologia afetiva de ensino em tecnologia” afirma Mariane.

Saiba mais sobre o Tech Girls

O Tech Girls recebe doações de computadores e notebooks e orienta mulheres em situação de vulnerabilidade social a recuperá-los. Em seguida, o negócio social utiliza os aparelhos para ensiná-las sobre programação. Caso os equipamentos não possam ser restaurados, as alunas aprendem a reutilizar suas peças confeccionando bijuterias criativas. O aprendizado ocorre presencialmente ao longo de três meses e compreende uma jornada de cinco módulos: a arte do lixo eletrônico, empreendedorismo digital, manutenção de notebooks, lógica de programação e desenvolvimento de software. 

Como a maior parte das alunas têm pouco conhecimento quanto ao uso da tecnologia e muitas delas não possuem computadores e acesso à internet, Gisele desenvolveu uma metodologia afetiva de ensino que as conecta emocionalmente com o universo digital. A porta de entrada é a arte com lixo eletrônico: as mulheres transformam sucatas doadas em bijuterias, fazendo com que o descarte do material doado seja praticamente nulo. Trata-se de um módulo lúdico e estratégico para proporcionar familiaridade com as ferramentas de TI.

O módulo de arte em lixo eletrônico também possibilita a geração de renda através da venda de acessórios exclusivos, ajudando muitas mulheres a conquistar a autonomia financeira com a criação de suas próprias lojas virtuais. Nos módulos seguintes, as alunas aprendem sobre os principais problemas que ocorrem em notebooks, realização de diagnóstico dos equipamentos, formatação e atualização de aparelhos, processamento, algoritmos, linguagem Python e linguagem de marcação HTML e CSS, entre outros conteúdos. Ao final da jornada de imersão digital, as alunas recebem um notebook recuperado durante as aulas de manutenção, o que representa um reconhecimento da dedicação ao curso e auxilia na continuidade das atividades profissionais e educacionais.

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