Márcia Carneiro Mendonça*
As mudanças climáticas e o aquecimento global são temas recorrentes nas manchetes mundo afora há algum tempo. Parece não haver dúvida que tais mudanças trazem grandes ameaças à existência humana por meio de uma variedade de mecanismos como secas, enchentes, calor e frio extremos, além do aumento da poluição e a exposição a substâncias nocivas à saúde e consequente aumento de inúmeras doenças. Um fato que vem chamando a atenção recentemente, todavia, é o possível efeito das alterações climáticas sobre a fertilidade humana e a saúde das futuras gerações.
As taxas de fertilidade estão diminuindo com inúmeras consequências sociais e econômicas, em virtude do adiamento da gravidez. Nesse cenário, homens e mulheres ficam sujeitos aos efeitos da poluição ambiental, obesidade e dietas ricas em alimentos ultraprocessados e disruptores endócrinos, entre outros fatores, que comprometem sobremaneira a saúde reprodutiva de ambos.
A saúde dos pais, principalmente a materna, no período periconcepcional, é de suma importância para o ser em crescimento, pois o ambiente intrauterino pode definir a qualidade da saúde do futuro indivíduo. Doenças como hipertensão, diabetes e até o câncer podem estar relacionados ao ambiente intrauterino. Assim, a atenção à saúde periconcepcional deve ser priorizada para homens e mulheres, que devem receber orientações sobre dieta, atividade física e suspensão de tabagismo, entre outras. No entanto, o que a mudança climática tem a ver com a fertilidade humana?
As evidências científicas têm revelado que a vida humana próxima de limites térmicos críticos tem efeitos adversos sobre vários aspectos da saúde reprodutiva, incluindo redução da quantidade e qualidade dos espermatozoides, além de aumento das complicações gestacionais como aborto espontâneo, parto prematuro e natimortos, assim como infertilidade. Todos esses eventos são observados em escala global e, infelizmente, afetam principalmente os mais desfavorecidos.
Aparentemente, as mudanças climáticas podem afetar a fertilidade diretamente devido ao estresse por calor e inalação de fumaça que, por sua vez, podem afetar óvulos e espermatozoides e até o funcionamento da placenta, por exemplo. Por outro lado, inundações e incêndios podem aumentar a prevalência de doenças infecciosas, resultar no deslocamento de pessoas, desestruturar famílias, levar a depressão e a outros distúrbios, que mudam o planejamento familiar das pessoas.
A consequente redução da natalidade associada ao envelhecimento crescente da população mundial compromete a sobrevivência dos sistemas vigentes de seguridade social.
Como não há nada tão ruim que não possa piorar, o comprometimento da saúde periconcepcional materna e paterna pode afetar ainda mais as taxas de fertilidade nas gerações futuras. Infelizmente, as políticas de saúde pública que envolvem a saúde periconcepcional são escassas e heterogêneas, principalmente no caso dos homens. Não há políticas públicas suficientes que incluam o planejamento reprodutivo como ponto fundamental no cuidado à saúde.
Em vista da gravidade da situação, várias sociedades médicas internacionais como a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM), o Colégio Americano de Ginecologia (ACOG) e a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) se uniram e publicaram documentos num esforço para chamar a atenção e conclamar as comunidades médica e científica a se conscientizarem sobre o assunto.
A situação é grave e demanda o engajamento da comunidade científica, sociedades médicas, governos e da população em geral, para que possamos entender os efeitos das mudanças climáticas na saúde e na fertilidade humana, assim como desenvolver estratégias para gerenciar a jornada reprodutiva nestas circunstâncias.
*Diretora Científica da Clínica Origen e professora itular do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
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