As investigações apontam que de 2017 a 2019, os ativos
virtuais preferidos pelos investigados para ocultação de valores e/ou remessa
para o exterior eram criptos como o bitcoin. "Porém, devido a sua grande
volatilidade, a partir de 2020, o bitcoin foi substituído por outros ativos
virtuais pareados a moedas estrangeiras como o dólar americano, denominados de
stablecoins, cuja variação de valor é menor", afirmou a PF.
"Comprar e vender ativos virtuais, assim como
realizar operações de arbitragem não é crime. Porém, cada vez mais pessoas
interessadas em ocultar a origem de recursos ilícitos tem feito uso deste tipo
de artificio", disse a PF. A Polícia disse ainda que devido à
regulação atual e à falta de controle mais efetivo, os investigados revenderam
ativos virtuais a pessoas físicas e jurídicas interessadas em lavar valores
oriundos de crimes.
As investigações começaram a partir do Relatório de
Inteligência Financeira, com comunicações de movimentações bancárias suspeitas
envolvendo a negociação de criptoativos. "Em comum, todos os investigados
nessas operações adquiriram milhões de reais em criptoativos, cuja finalidade
era remessa de valores para fora do país", afirmou a PF. E há conexão
delas com "diversas operações já deflagradas pela Polícia Federal, como a
Planum, Rekt, Valeta, Sucessão, Mardof, Kryptos e Betka".
Essas investigações apuraram crimes de tráfico
internacional de drogas, organização criminosa, contra o sistema financeiro
nacional, pirâmides financeiras e lavagem de dinheiro. Os indícios levantados
apontam para a compra de criptoativos por traficantes de drogas, doleiros,
contrabandistas e outros interessados em realizar operações de cripto-cabo, ou
seja, de envio de dinheiro ilícito para fora do país (ou trazer) também de
forma ilícita.
Como o caso era complexo e de grandes proporções, a PF
dividiu os investigados em três grupos. Um deles era o dos arbitradores
que compravam grandes quantidades de criptos no exterior, em países como
Estados Unidos (EUA), Singapura e Hong Kong, e vendiam no Brasil. As remessas
para fora superaram R$ 18 bilhões. "As investigações apontaram que parte
da documentação apresentada aos bancos possui indícios de desvio de
finalidade. A documentação em questão tinha como objetivo ocultar a origem
nacional dos valores, já que, segundo apurado, as exchanges americanas não
aceitavam a compra de criptoativos com recursos oriundos do Brasil".
O grupo das exchanges comprava criptos dos
arbitradores e revendiam para pessoas físicas e jurídicas. E há fortes indícios
de envolvimento em crimes anteriores. Já o terceiro grupo era formado de
empresas de fachada que adquiriam os criptoativos das exchanges para lavagem de
dinheiro. Entre os clientes dessas empresas havia pessoas mortas, beneficiários
de programas assistenciais, idosos com mais de 90 anos de idade, doleiros,
contrabandistas e comerciantes de bairros de comércio popular de diversas
cidades do país, em especial do Brás e da 25 de Março em São Paulo.
Um único contador era responsável por mais de 1,3 mil
empresas sediadas nesses locais de comércio popular de São Paulo. A maioria era
de fachada, disse a PF. "Durante o período investigado, as empresas
administradas por esse contador movimentaram, aproximadamente, R$ 1 bilhão com
os arbitradores e as exchanges investigadas."
As investigações apontaram que, após cada operação
policial realizada, as empresas de fachada comprometidas eram fechadas e novas
eram abertas. Assim, continuavam a movimentação dos valores de origem ilícita.
"Há casos de empresas de fachada que já estão na terceira geração",
segundo a PF.
Ao todo, mais de 40 instituições financeiras
movimentaram recursos dos investigados. Em certos casos, algumas detectaram o
problema, comunicaram o o fato ao Conselho de Controle de Atividades
Financeiras (Coaf) e encerraram relacionamento com esses clientes. Mas, os
investigados "ingressaram com ações na Justiça e obtiveram decisões
judiciais favoráveis, obrigando, assim, os bancos a continuarem movimentando
recursos dessas empresas".
A operação teve a participação de 170 policiais
federais e por servidores da Receita Federal em 101 determinações judiciais
expedidas pela 6ª Vara Criminal de São Paulo/SP. No total, houve duas ordens
judiciais de prisão preventiva, 37 ordens judiciais de busca e apreensão - 22
de pessoas físicas e 15 de pessoas jurídicas. As pessoas jurídicas incluíram
busca em seis exchanges, quatro instituições financeiras autorizadas pelo Banco
Central a operar no mercado de câmbio e três escritórios de
contabilidade.
Além dos mandados de busca e apreensão, houve o
bloqueio de cerca de R$ 1,25 bilhão em bens e valores dos investigados.
"Também foi determinado a 28 exchanges, com atuação no Brasil e no
exterior, o sequestro de ativos virtuais titularizados pelos investigados e
que, eventualmente, estejam na posse dessas", afirmou a PF.
As análises fiscais da Receita Federal mostraram que
muitos dos investigados prestaram milhares de declarações em consonância com o
normativo da Receita Federal. "Porém, quando essas declarações fiscais
foram cotejadas com as movimentações bancárias dos investigados, foram
detectadas discrepâncias da ordem de mais de R$ 1 bilhão em um único caso.
De acordo com a PF, "as investigações também
apontam que bilhões de reais são remetidos para fora do país sob o pretexto de
arbitragem de ativos virtuais, razão pela qual as apurações continuam para
aferir se tais quantias foram, de fato, utilizadas na aquisição desses ativos
e, também, identificar a origem dos criptoativos vendidos no país, assim como o
eventual recolhimento de tributos nessas operações, que, caso fosse feito,
pelas cifras envolvidas, gerariam milhões de reais em divisas aos cofres
públicos".
A operação Colossus foi gestada no Laboratório de
Tecnologia contra a Lavagem de Dinheiro da Delegacia de Repressão a Corrupção e
Crimes Financeiros da Superintendência de Polícia Federal em São Paulo. Para a
polícia, o mérito é a geração de informações capazes de auxiliar os órgãos de
controle e regulação na melhoria do ambiente de negócios e no estabelecimento
de balizas normativas para desenvolvimento e aprimoramento de normas que
viabilizem maior segurança aos atores que trabalham de forma lícita nesse
mercado.
O nome da operação é uma alusão ao computador batizado
com o mesmo nome que foi desenvolvido durante a 2ª Guerra Mundial por
criptoanalistas britânicos. O objetivo era decifrar a comunicação codificada,
permitindo aos aliados se anteciparem para neutralizar os movimentos inimigos.
E a operação tem como objetivo “levantar o véu do anonimato” que protege a
lavagem de dinheiro por meio dos ativos virtuais, fornecendo aos órgãos de
controle e regulação, subsídios para se anteciparem às ações ilícitas de
lavagem, neutralizando, assim, esse tipo de prática, afirmou a PF.
Os crimes em apuração incluem, por exemplo, evasão de divisas,
lavagem de dinheiro a associação criminosa. As penas máximas somadas
ultrapassam 30 anos de prisão.
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